No caso dos dispositivos médicos, o sistema funciona de maneira diferente. Após o escândalo dos implantes mamários (PIP), a União Europeia estabeleceu as regras para um novo quadro regulamentar o European Medical Devices Regulation (MDR) que estabelece o sistema UDI (Unique Device Identification) que vai permitir capturar o elo de ligação entre o dispositivo médico e o paciente. Segundo Ulrike Kreysa «a GSi teve um papel relevante como entidade participante deste sistema de segurança. Foi a primeira entidade emissora de códigos UDI pela FDA (EUA) e está listada nos regulamentos da EU como uma das entidades emissoras. Por outro lado, tem tido um papel relevante no apoio à implantação do sistema, formação e educação.» A comissão quer ter a certeza que os hospitais registam o facto de um paciente ter recebido um determinado dispositivo médico (implante). O objectivo é no caso de ser necessário recolher estes dispositivos ser possível saber em que pessoas esses foram implantados. «Tivemos vários problemas no passado, com implantes mamários (silicone), e com implantes para as ancas (metálicos) e não foi possível localizar todos os pacientes em que estes implantes tinham sido colocados. No caso dos medicamentos o objectivo é saber se o produto é seguro e de qualidade mas não é feita uma ligação ao paciente, no caso dos dispositivos médicos a ligação entre o dispositivo e o doente tem de ser efectuada. «Na prática o que acontecia era que um dispositivo médico implantado pode só dar problemas ao fim de muitos anos, ou a sua longevidade não ser tão grande como se previa. Há evidentemente registos em papel nos hospitais, o que acontece é que com um sistema em papel não é na prática possível ver em que doentes os implantes foram colocados, principalmente quando falamos de períodos de tempo muito longos», esclarece. Em muitos países estão a começar a ser construídas bases de dados para que esta realidade seja capturada. Isto trás vantagens, pois permite por exemplo fazer uma avaliação do comportamento dos dispositivos. Na Suécia tal já é possível. Assim, é possível comparar dados e ver que na prática um implante deve, por exemplo, ser substituído ao fim de 15 anos, outro de 10 e outro ainda ao fim de cinco. A qualidade dos implantes pode ser monitorizada e ver-se o seu comportamento ao longo do seu ciclo de vida. Num hospital o problema de ter os pacientes correctamente identificados e a medicação certa para cada doente tem uma consequência importante para o bem-estar do paciente, pois com a medicação errada no melhor cenário tem efeitos secundários nefastos e no pior pode causar a morte. «Não deve ser esquecido que esta situação também tem um grande impacto no profissional que comete o erro. A sua vida pessoal e profissional é afectada para toda a vida.» Assim, qualquer sistema informático que se possa implementar e que garanta a correcta aplicação e a ausência de erros é relevante.
Relativamente aos custos do desenvolvimento destas bases de dados e à implementação deste sistema, Ulrike Kreysa diz que não consegue estimar, «mas foi certamente muito caro. Mas quando vemos os números da contrafacção e os custos que estes trazem à indústria, vale a pena.» De salientar que o impacto económico da contrafacção para a indústria, sociedade e para os estados é elevada. O sector perde 4,4% de vendas por ano, algo como 10.2 mil milhões de euros. A que acrescem mais cerca de 7,1 mil milhões em sectores relacionados. A sociedade perde 37.7oo empregos directos e 90.000 empregos indirectos e os governos perdem 1.7 mil milhões de euros em impostos e contribuições sociais, avança a responsável. Contudo, enfatiza que «os custos são importantes, mas é necessário encontrar um ponto de equilíbrio, pois mais importante é que não podemos esquecer a questão da segurança, é necessário garantir que ninguém consegue penetrar no sistema que cria os códigos. A transferência de dados tem de ser muito segura, se tal não acontecer e alguém se conseguir apropriar-se dos números de serie pode conseguir tornar o sistema obsoleto». Neste caso o sistema é mais complexo do que o existente, por exemplo, para as licenças de software no passado em que por vezes era possível encontrar na internet o algoritmo que gerava o número de serie do software. Aqui é necessário ultrapassar o número de série de cada caixa de medicamento, conjugado em simultâneo com o GTIN (Global Trade Item Number) o prefixo da empresa que produz o medicamento. Ou seja, têm de ser quebrados dois códigos. Depois disto ainda tem de submeter os códigos à base de dados. Isto significa que existem muitas barreiras, pois o sistema é complexo e seguro. «Não nos devemos esquecer que os falsificadores andam à procura de lucro fácil, querem ganhar dinheiro de forma rápida e fácil. Mas só depois do sistema ser implementado é que vamos ter certezas, pois a prática é a verdadeira prova de fogo.»
Para Ulrike Kreysa: «O grande risco é que depois da directiva estar implementada os profissionais da contrafacção se virem para os medicamentos para os quais não é necessária prescrição (OTC ou medicamentos não sujeitos a receita médica), pois estes medicamentos não estão cobertos pela directiva.» Para a responsável o problema é que: «O comportamento dos falsificadores também se alterou. No início estes estavam interessados em medicamentos de preço muito elevado ou produtos com impacto sobre o estilo de vida (o Viagra, por exemplo), que podiam ser facilmente introduzidos na cadeia de abastecimento. As farmácias online são uma grande fonte de medicamentos contrafeitos, mas o comportamento dos contrafactores também se alterou. Hoje vemos medicamentos genéricos a serem falsificados o que não acontecia há uns anos atrás, por isso, esperemos que não se veja um aumento deste tipo de contrafacção.» No caso das farmácias online estas são «um ponto fraco deste problema». Uma farmácia online ilegal pode continuar a vender produtos contrafeitos. Por essa razão, a comissão na directiva europeia dos medicamentos contrafeitos (Falsified Medicine Directive) estabeleceu que é necessário que as farmácias online estejam licenciadas, o que obriga a ter um logo específico no site, onde o consumidor pode clicar e o link agregado a esse logo direcciona o consumidor para um site oficial do sector, que certifica que a farmácia é legal. Isto obriga a que o consumidor seja responsável (passa em certa medida a fazer parte da cadeia do medicamento) e verifique se está a interagir com uma farmácia que é legal ou não. «Este passo é importante, pois é necessário que os consumidores tenham consciência do perigo que representa lidar com farmácias fora da lei. O nível de perfeição das falsificações é, por vezes, muito bom. Uma vez foram-me colocadas à frente duas embalagens de um medicamento, uma genuína e outra falsificada, e eu como farmacêutica não consegui ver a diferença. É importante que o consumidor perceba que por vezes a diferença entra algo genuíno e falso pode ser mesmo uma questão de vida ou morte», conclui a responsável.
*In Jornal Público 14/12