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A proposta final da Lei de Bases da Saúde deixou cair o ponto que previa a entrega da gestão dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde aos grupos privados. Entregue há quase um mês ao governo, o documento prevê apenas as condições que devem ser asseguradas na contratação de serviços ao privado, como já acontece, por exemplo, em relação à rede de cuidados continuados, nas convenções para realização de exames ou nos vales-cirurgia. A anteproposta apresentada em junho pela ex-ministra Maria de Belém, que presidiu à Comissão de Revisão da Lei de Bases, abria explicitamente a porta a novas parcerias público-privadas (PPP) na saúde, ao deixar consagrado que "a lei pode prever que a gestão de estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde ou de partes funcionalmente autónomas dos mesmos possa constituir objeto de concessão com entidades do setor de economia social e com entidades privadas". Um ponto, adianta fonte que acompanhou a revisão da lei, que caiu na proposta final, entregue a 3 de setembro ao ministro da Saúde, depois de uma discussão pública de um mês. O texto inicial previa isso para salvaguardar os contratos de parcerias que ainda estão em vigor, como Loures, Braga, Vila Franca e Cascais, "que também são hospitais do Serviço Nacional de Saúde". "Mas é um ponto que não cabe no espírito de uma Lei de Bases da Saúde. A proposta final contém os princípios da contratação de serviços ao setor privado, sem referir concretamente a gestão. São os princípios, por exemplo, da eficiência, da transparência, da contabilização de resultados, da fiscalização, da boa governação." O objetivo da lei de bases, que já não é revista há 28 anos, é ser enquadradora e perdurar no tempo, portanto a ideia da comissão é que sejam os partidos a assumir as opções pelas PPP nos seus programas eleitorais, para que os cidadãos decidam sobre a sua aplicação na altura do voto. No entanto, a lei também não fecha a porta a essa hipótese. "A lei de bases não o veda, porque não o pode fazerem termos constitucionais, mas também não o prevê. Não é próprio de uma lei de bases. Têm de ser os cidadãos a escolher essas opções na altura das eleições." O PSD, por exemplo, já definiu a sua opção por urna generalização progressiva das parcerias público-privadas nas saúde. A esquerda quer revogá-las.
Atraso na apresentação da lei Mas, se não pode "vedar" essa hipótese, uma coisa o documento afasta definitivamente: o apoio expresso ao setor privado. "O Estado apoia o desenvolvimento do setor privado de prestação de cuidados de saúde, em função das vantagens sociais decorrentes das iniciativas em causa e em concorrência com o setor público", estipulava a lei de 1990. "O Estado não tem de apoiara iniciativa privada", contrapõe a fonte ouvida pelo DN e que acompanhou a revisão da lei. "E também não pode falar em concorrência entre privado e público, ou com o setor social. São de natureza diferente, não concorrem, cooperam." A apresentação da lei de bases chegou a ser anunciada pelo ministro Adalberto Campos Fernandes para setembro. O prazo de entrega por parte da comissão de revisão parecia indicar que o calendário ia ser cumprido, mas as alterações ao documento terão demorado mais do que o previsto depois de o texto ter chegado ao governo. Uma das principais questões a contribuir para esse atraso, apurou o DN, é precisamente que papel será atribuído aos privados na nova lei. No último debate quinzenal no Parlamento, António Costa reconheceu que o governo não conseguirá cumprir o calendário anunciado, garantiu que haverá uma nova lei nesta legislatura. Antes da intervenção do primeiro-ministro, fonte do governo tinha adiantado ao DN que"há a expectativa" de que o documento possa ser discutido em breve no Conselho de Ministros, para depois seguir para a Assembleia da República. Brevidade que as palavras de Costa deixam em risco. Há uma semana, Catarina Martins defendeu que "não é normal" o atraso do PS, prolongando assim a vida ao diploma atual, que entrega "quatro euros em cada dez ao setor privado". O projeto do BE, que vai beber ao trabalho deAntónioArnaut e de João Semedo, defende o fim das PPP na saúde e a isenção de pagamento de qualquer taxa em todos os cuidados prestados nos centros de saúde e nos serviços de urgência, incluindo o transporte do doente.
*In Diário de Notícias 30/0972018